MAESTRO UBIRATAN MARQUES, "PURA ESSÊNCIA, RAÇA E ATITUDE" - TODA BELEZA DA MÚSICA BAIANA

 

"A grandeza do negro se deu quando houve este grito infinito, esses são os meus sentimentos do antepassado Senegal narrado como tema Ilê Ayiê". É assim que começamos a contar um pouco da história do maestro Ubiratan Marques, com um trecho da música Canto Para Senegal da banda Reflexu's, ele que foi um dos nomes importantes do grupo, “embrião” do Axé Music, conta pra gente a trilha sonora que compõe sua vida, que começa com sua bisavó Carolina ou Dona Calu que era a matriarca da família e tinha cargo importante dentro dos cultos de candomblé.

 

Foi com Dona Calu que o maestro ganhou sua primeira “régua e compasso” que serviram de guia pra que sua verve criativa siga no decorrer do tempo ganhando beleza. 

MundiOca foi a Salvador* cheia de mandinga e batuque encontrar o maestro Ubiratan Marques, entre o trio elétrico e o terreiro Ele nos faz um relato histórico sobre início do Axé Music, a importância da Banda Reflexu´s no cenário cultural e econômico da Bahia e o incentivo inicial de Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros artistas já consagrados da música brasileira.

 

Sobre a Orquestra Afrosinfônica da Bahia com indicação ao Grammy 2021 representando um trabalho magistral na cidade de São Salvador falamos dos encontros marcantes no palco com Maria Betânia, Chico César, Lazzo Matumbi, Ilê Ayiê, dentre outros mais. Sua vida difícil ainda garoto pelos becos que rodeiam o Pelourinho, a pandemia do Covid 19 e o momento político e cultural brasileiro; o seu encontro com banda de maior repercussão atual no país, que é a Baiana System, seu amor pela gente e cultura do nordeste e do seu cotidiano, quando tranquilo, com seus cães num lugar que mistura campo e praia. Nos áudios captados da conversa os grilos desse lugar soam como um convite ao encontro, são os arranjos que a natureza compõe delicadamente na vida do maestro.

 

O Ubiratan Marques é daquelas pessoas especiais que, quando conhecemos não esquecemos mais, sua generosidade e simpatia formam uma conexão perfeita junto à sua criatividade e talento, com a força dos ancestrais, os quais ele faz questão de mostrar por onde passa.

Sob sua regência de vida e música "toda cidade irradia a magia, presente na água doce, presente na água salgada e toda cidade brilha". Confira.





Maestro Ubiratan Marques, conta agora essa tua história musical, que sabemos vem de longe e passa por momentos marcantes da música brasileira.


Ubiratan Marques: Falar dessa caminhada é falar da minha história. Tudo começou com minha bisavó Carolina, Dona Calu, ela era a matriarca, tinha cargo importante dentro do candomblé e foi ela que me iniciou na música, me ensinou a tocar violão quando eu tinha 9 anos de idade, me deu a régua e o compasso.

Todas as coisas que aconteceram na sequência foi uma soma de encontros e sintonia com esse lugar de onde vim, por incrível que pareça nunca imaginei esse lugar de hoje, mas sempre cultivei essa ancestralidade.


 Fala dessa relação tua com os tambores baianos, e o quê que a baiana tem?


UM: A minha relação com tambor é desde sempre, mas teve um período muito importante na minha vida que foi o colégio estadual Severino Vieira, tive a felicidade na década de 80 de cursar artes, tendo como professores, Emília Biancardi, Moa do katendê, Nini Gondim mestre King, entre outros maravilhosos professores, todos eles ligados a cultura popular e a música de matriz africana, foi alí que descobri que música era uma profissão, também foi alí que fui me transformando em quem sou hoje.

Esse momento vem junto com o Severino Vieira, já que o colégio ficava próximo ao centro histórico, muitos dos meus colegas moravam no pelourinho, lembro que minha primeira banda profissional Frutos Tropicais, fazíamos os ensaios perto da praça Castro Alves, ou seja, estudava pela manhã e a tarde ficava circulando pela comunidade elaborando ideias e conhecendo de perto cada vez mais a cultura real da cidade de Salvador.



Com Mateus Aleluia em estúdio

Um dos mais belos e importantes movimentos musicais do Brasil é com certeza o Axé Music, de importância econômica inclusive, também tem a histórica banda Reflexu's, como veio isso na tua vida e como a maioria negra e periférica entra nesse cenário?


Ubiratan Marques: Ouça áudio AQUI

UM: Nesse período as coisas eram muito difíceis, para se ter ideia eu não tinha condições para ter um instrumento, e tocava de graça no trio elétrico e em troca o dono do trio deixava o instrumento (Teclado) comigo para eu aprender as músicas, ou seja, era totalmente explorado, acredito que fui um dos primeiros músicos negros a tocar teclado em um trio elétrico. Lembrando que a indústria do Axé só começaria em 1985. 

Ou seja, antes disso o mercado era totalmente alternativo, fazíamos uma espécie de baile em cima do trio, tocávamos de tudo.

Os blocos afros eram pura resistência, muita raça e atitude.


Ubiratan Marques: Ouça áudio AQUI


A Afrosinfônica em estúdio

 Outro belo trabalho que te envolve é a Orquestra Afrosinfônica, como nasceu essa ideia e como ela se desenvolve atualmente?

 

Ubiratan Marques: resposta no video



Maria Betânia com a Orquestra Afrosinfônica da Bahia
Chico César com a Orquestra Afrosinfônica da Bahia

 E a Baiana System? a mais autêntica música brasileira da atualidade, fala desse outro encontro musical.

Com a Baiana System e B Negão no trio elétrico em Salvador

UM: Ouça o áudio AQUI

UM: Bom, falei isso pra eles e desapareci, depois nos encontramos outras vezes ali, me lembro que eu fui tocar com Beto e SeKo Bass também, eles me chamaram pra acompanhar alguns artistas aqui no carnaval, isso tudo, quando foi em 2016 eu liguei pra Beto e falei que eu queria fazer um arranjo de alguma coisa, com música eletrônica, mas queria fazer com os blocos afro, alguma coisa assim.

E aí Beto falou “poxa Bira, você não quer vim aqui em casa?” eu e Seko temos umas coisas e tudo mais. E aí eu fui lá e eles me mostraram a base de Fogo e outras bases. Aí eu disse poxa eu acho que vou trabalhar em cima disso, não vamos? é um samba reggae e eu digo opa, vamos trabalhar isso aí e pronto, e isso foi 2015 ou 2017, não lembro exatamente. Eles ainda não estavam acontecendo, eles estavam começando, mas eu acho que foi quando eles gravaram Duas Cidades, que saiu em 2017, num lembro bem, mas resultado, eu trouxe a música pra casa e fiz os arranjos e aí eles me chamaram pra gravar Invisível.


UM: continua no áudio

Orquestra Afrosinfônica

 O atual Brasil se aprofundou em questões como o racismo, a negação da ciência e da história, nesse sistema a arte é a primeira a ser combatida, como tu vem atuando pra contrapor isso e como superar? “Será que apenas os hermetismos pascoais, os tons, os mil tons  e seus sons e seus dons geniais nos salvam, nos salvarão dessas trevas e nada mais?

 

UM: Pois é, esse é um dos piores momentos que o Brasil está vivendo, olha que já passei por muitos, e continuaremos a passar porque somos muito mais fortes do que tudo isso. Enfrentar a questão social, racial na busca desse equilíbrio, posso dizer que isso vem sendo feito há muito tempo, porém acredito que desde do início desse governo até os dias de hoje, com tanto discurso de ódio e tanto preconceito, isso só está servindo para mostrar que o amor e arte foram as armas que mais salvaram e continuará salvando.



Você é um cara otimista? Levando em consideração os problemas do brasil e do mundo, o desrespeito com as pessoas, o meio ambiente, estamos numa fase de transição ou é apenas o fim mesmo?


UM: Como disse, acredito que somos muito maior do que tudo isso, acredito nas pessoas, e acredito no Brasil, tenho certeza que esse momento já foi, estar não é ser. O filósofo Cícero faz uma analogia com aspiral, espécie de onda sonora onde em tempos em tempos é necessário que os impérios desmoronem, para o surgimento de novas ascensões Heráclito diz que nenhum homem entra no mesmo rio duas vezes, pois na segunda vez tanto homem quanto rio já não são os mesmos.


Orquestra Afrosinfônica no palco


A pandemia do Covid 19 afetou o quê pra você e como tu imagina o mundo pós?

 

UM: Pandemia afetou bastante, principalmente orquestra Afrosinfônica, por ser um grupo grande  com necessidade de ensaios, não conseguimos avançar muito nesse sentido, mas em contrapartida estamos aprendendo muito com o mundo digital, muitas coisas que as vezes necessitava de deslocamento hoje sabemos que dar para resolver com uma reunião virtual.

Acho que já estamos em outro mundo, mas ainda não consigo explicar muito sobre esse novo lugar.


 Rica em diversidade cultural a Bahia sempre apresenta ao Brasil novos nomes, quem seriam esses na tua opinião que em breve vamos conhecer?

 

UM: Realmente a Bahia é um grande celeiro, assim como nosso nordeste, inclusive é muito difícil identificar apenas um ou outro, mas me agrada muito, um movimento que vem surgindo da fusão da música eletrônica com a música de raiz. Outra coisa que está se tornando cada vez mais forte, são os blocos afros, por exatamente manter aquilo que há de mais moderno, que é a música de percussão e voz

 

Como tu vê o atual cenário musical brasileiro hoje?

 

UM: Gosto muito da música brasileira, mas acredito que esse cenário ainda é muito ditado e estabelecido pela indústria, existe ainda muita coisa que precisa mudar, para que as pessoas possam ter acesso a verdadeira diversidade da música brasileira.


Maria Betânia e a Orquestra Afrosinfônica
A revista que agora fala com você é do Maranhão, tu tens alguma relação com esse estado? caso sim conta pra gente.

 

UM: Tenho uma relação muito forte com todo Nordeste, me sinto em casa em cada um desses estados. Claro que tenho uma relação com o Maranhão, tenho  muitos amigos aí, inclusive já escrevi uma trilha sonora de um filme que foi feito sobre Alcântara. Com a Banda Reflexu´s, na década de 80 e 90 íamos muito para o Maranhão, tocávamos em muitos lugares dessa terra maravilhosa, sou um grande admirador desse lugar.

 

Ser indicado ao Grammy é com certeza uma satisfação imensa pra você e também orgulho para o Brasil, como tu recebe isso?

 

UM: Com certeza essa indicação trouxe muita alegria, principalmente pela representatividade e afirmação de uma orquestra negra, para muita gente parece clichê quando se fala em falta de apoio, em dificuldade, e principalmente em preconceito, mas ainda há no Brasil, 90% das orquestras seguem fazendo o repertório europeu e acreditando que essa é a música nobre, inclusive sustentada exatamente por essa tal "nobreza" sempre faço questão de lembrar que Beethoven fazia  música alemã e Debussy fazia música francesa, vejo que o caminho é exatamente esse, nós como brasileiros deveríamos fazer o mesmo, cuidar e valorizar a nossa cultura brasileira,  que pode ter certeza é uma das mais belas que conheço.


 

E pra ter um pouco de paz nesse país sem um dia de paz, o que maestro Ubiratan Marques tem feito no cotidiano?

 

Ubiratan Marques: Moro em um lugar que é uma mistura de mato e praia, minha vida é muito simples, e essa simplicidade me traz essa paz. Gosto de ficar observando a natureza, olhando o mar, aproveito o pôr do sol brincando com meus cachorros e escrevo minhas músicas a partir dessas conexões. Já estou fazendo os arranjos do próximo álbum da Afrosinfônica que devemos lançar em 2023 intitulado Poema das Sombras - Poema sinfônico sobre o racismo.

 

 



* Entrevista realizada a distância através da internet utilizando as diversas formas de comunicação disponíveis e em formatos que envolveram vídeo, áudio e texto.


Conhença mais da Orquestra Afrosinfônica e do maestro Ubiratan Marques

nos links a baixo:

 

https://www.afrosinfonica.org.br

@maestroubiratanmarques














Beto Ehong

Cantor, compositor, ator, produtor cultural

Bacharel em Comunicação Social - Rádio e TV/UFMA

Mais informações www.betoehong.com

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Comentários

  1. @jorrimar_de_sousa_fotografia Massa, parabéns Beto👏🏿👏🏿👏🏿👏🏿👏🏿

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