A CASALOCA COM ADNON SOARES

 

@leandro.foto

O ano era 2019, o mundo já respirava o espectro da tragédia anunciada da pandemia do Covid 19 que se formava no horizonte, mas ainda com pouca consciência do que estava por vir, a cena cultural de São Luís seguia forte com eventos diversos e grandes realizações como o caso do Festival BR135 e outras produções de médio porte que cito o Carcaramundi Festival, o Festival das Rendas e outras mais. Foi nesse cenário que A MundiOca encontra o dread chefe Adnon Soares na região do conhecido Cohatrac City, como carinhosamente costumam chamar um populoso e criativo bairro periférico da região metropolitana de São Luís, para uma conversa que envolvia um dos maiores fenômenos da música do estado de todos os tempos, a efervescente, musical e construtiva Produtora Casaloca, uma entidade artística responsável pela inclusão e descoberta de vários artistas na cena local e nacional. Encontramos Adnon Soares na própria Casaloca, e a conversa que serviu também como estudo acadêmico para um projeto de monografia que tem o tema O Escambo Como Metodologia de Economia Criativa da Produtora Casaloca: Análise do Espetáculo O Cráudio, da Universidade Federal do Maranhão do estudante Beto Ehong se deu ali na sala de estar da produtora, respirando toda a atmosfera que habita o lugar em cores, ritos, cheiros, conversas e sons diversos.

Aqui a Produtora Casaloca fala através de Adnon Soares que conta um pouco da sua história, seus agentes que ajudam a formar a casa e planos para o futuro que já chegou, confira.


...só a noite na Casaloca... - foto arquivo Estúdio Casaloca










 


MundiOca - Quando iniciou os trabalhos na Casaloca?

Adnon Soares - Cara, na prática a partir de 2005, só que pra gente chegar nesse ponto eu já trabalhava com produção antes só que não era aqui, eu fazia freelance nos estúdios e tudo, desde 2001 e 2002, eu entrei na UFMA em 2001 então entrar na universidade me fez conhecer outras tribos, o que estava rolando na cidade, inclusive Negoka´apor, Clã-nordestino, essa galera que estava fazendo som na época. Chegar na UFMA abriu minha cabeça, conheci muita gente, comecei a produzir para os brothers, para as banda de brothers de graça, assim, não foi profissionalmente, sacou? O meu trabalho de produtor vem antes da Casaloca, ainda em 2001 mesmo.  Minha mãe faleceu, a gente morava aqui (na Casaloca) que era a casa da minha mãe, então pós isso a casa ficou abandonada por 4 ou 5 anos, no final de 2005 a gente voltou, eu e meus irmãos, a gente voltou para cá, a casa estava abandonada e, a partir daí começou a rolar um movimento, eu era de música então a galera da música começou a pintar por aqui e interagir, meu outro irmão Faylon fazia teatro e fazia história, gostava de jogar RPG assim já entrava uma outra galera, tá ligado? Pra jogar, e o outro irmão curtia outras ondas, assistia filmes, era da igreja aqui em frente, então era uma galera da igreja também que tinha muito, muito carinho por nós. Então vinha muita gente da igreja para cá, imagina essa galera toda? A gente conseguiu juntar todo mundo, essas várias tribos de som, a galera da igreja, com a galera mais cult, então a gente conseguiu nesse momento começar o que hoje a galera chama de Casaloca e a própria galera daqui que vinha gravar que batizou como Casaloca, porque eles chegavam aqui, gravavam aqui nesse quartinho de fundo (aponta Adnon) e era uma loucura (gargalhadas) nessa época quando comecei a gravar era metal extremo, eu ia num outro estúdio fazia aquela captação e vinha aqui para casa só para gravar a voz, que é mais fácil, a gente gravava aqui nesse estúdio, era grito o dia todo de neguinho berrando no quarto, e um irmão aqui na sala fazendo uma imersão de outra história, ali no terraço um culto. Não dá para chamar outra coisa, a Casaloca começou nisso, então isso foi o começo, foi de forma bem espontânea Beto, bem espontâneo, não tinha essa pretensão, a galera que me procurava para produzir não era uma coisa que eu vendia foi uma coisa tipo eu sou um instrumento e galera me “usou”, sempre foi assim e era boca a boca, a melhor coisa que teve, nunca tive um cartão, um site, uma página, nunca tive isso com o trabalho de freelancer, esse trabalho que eu faço, entendeu? Então, foi justamente por isso essa procura da galera por gravar, pra registrar essa arte, que naquela época ainda era um pouco difícil, hoje tem bastante. Tem uma galera que passou por aqui também que aprendeu aqui, que vive disso, mas o começo foi isso. 

  

MO - Quais artistas passaram pela Casaloca? Sei que é difícil falar todos, mas quais seriam os principais que tenham também uma relevância na cena local e até nacional?


AS - A gente tinha uma cena já em evidencia na época e algumas pessoas que hoje estão na cenário como Bavu, a gente já trabalhava, foi uma das primeiras bandas que eu produzi foi a banda de Bavu, todo mundo conhece a Basarone, tem o Ronaldo Chão de Grude, que era também do movimento, nessa época o Marlon Silva que já trabalha com a Soulvenir comigo e o próprio Memel, a gente produziu a Megazine e foi a escola dele, hoje em dia ele faz um trabalho de produção musical, Raflea da banda Casaloca, o Bimbo que é o Sandoval cresceu aqui como irmão nosso, além da galera que vinha gravar e tem vários, o primeiro que eu tive contato assim foi o Djalma eu já era fã dele, Djalma Lúcio do Catarina Mina, o Paulão LC, o Tiago Máci, Phil Veras tem muita gente, tem as bandas de rock de São Luís que a galera conhece, Megazine da época, o Gallo Azhuu, antigamente era outra formação, quem mais? Tanta gente, as bandas de reggae também, os rappers, Cena Roots, a Raja, a Núbia eu a conheci no Sebo no Chão.

A gente começou junto e levava o som do estúdio pro Sebo no Chão pra poder rolar, o primeiro Sebo foi sem estrutura de som, a partir do segundo em diante começou a colaboração, gente chegando junto com o pessoal que era uma equipe que fazia o Sebo, o Diego, a Cibele, os meninos e meninas lá.


arquivo Casaloca






MO - Me diz uma coisa, como é o sistema de sustentação da Casaloca?

Casaloca Produtora, que produz artistas, eu sei que tu moras aqui também.


AS - Já tivemos varias fases, eu tive uma fase bem comercial, eu gravava o que aparecia, eu tava no mercado de trabalho como produtor, trabalhei em rádio, trabalhei em vários estúdios e isso deu uma sustentação pessoal pra eu poder começar o estúdio, era de tudo, tudo, tudo mesmo, já gravei forró, tudo no começo, pra começar campanha politica, jingle, pra ter ali os primeiros maquinários e tudo, porra pra começar precisei, então já teve várias fases e teve uma temporada que comecei a trabalhar mais o meu trabalho artístico e isso me deu uma outra relação com a música, nisso a gente já começa a se reinventar, como produtor artístico não só um produtor de música mas um produtor com um conceito artístico, entendendo cada personagem, cada banda é uma ideia, então a gente começou a trabalhar isso e isso acabou criando uma nova cena pra gente, assim, ter música pra mostrar gera palco pra tocar, gerou uma produção cultural, que a gente já vem lutando a um tempo fazendo evento de graça, as vezes tirando do bolso, carregando, fazendo todo aquele corre, pra poder fazer a parada ser sustentável, no sentido físico de poder dar uma estrutura pra casa, a gente fazia trabalho por trabalho, as vezes permuta de trabalho por faixa, por material, fazendo evento e a galera colando junto pra fortalecer, a galera abrindo mão de seu cachê pra juntar grana da porta e colocar na casa. Então tudo isso rolou, e atualmente a gente tá na fase de formar um selo, a gente chegou nesse processo desde o inicio de 2019, depois teve uns hiatos, eu passei um tempo trabalhando com a banda Soulvenir e isso me fez parar de produzir e agora a gente tá voltando com esse objetivo, fazendo o que queremos apresentar, o que queremos lançar com um trabalho de um selo de uma gravadora.

 

MO - Eu sei que a Casaloca funciona meio que como um abrigo, não só de artes mas para os próprios artistas, que se reúnem muito aqui, quais são os nomes dessas pessoas que contribuem, tecnicamente e até com força do braço para o desenvolvimento da casa?


AS – Tem o Paulão LC que é um cara muito importante, nosso primeiro contato aqui, ele pegou aula de música comigo de instrumentos como guitarra e violão, então ele tá desde o começo e hoje em dia ele é o cara que faz os eventos, sacou? Hoje em dia ele tem som, ele é produtor cultural, promove as festas para justamente manutenção da casa, então o Paulão é um deles, tem uma galera do Telúricos, a banda não existe mais, só que eles sempre colam, o Allan, o Giovani, o Danilo Palavra também tá sempre aqui tentando fazer alguma coisa pra gente, escrevendo projeto, na verdade tem um coletivo, tem a Dani Filgueiras que é fotógrafa, ela faz esse trabalho de cobertura de tirar foto e fazer vídeo da galera, tem o Fernando Spotti que é um cara que também se reinventou aqui na Casaloca, veio fazer uns sons e ficou de casa, virou irmão e hoje ele faz os corres, tá na função e também contribui com sua expertise de redator, ele faz texto e tá sempre gerando conteúdo pra gente, tipo assim conseguindo fazer com que os artistas, não só com a Casaloca que é uma banda mas também juntando a galera que trabalha aqui, que tá gravando seu som hoje, então a gente tá tentando juntar essa própria galera pra se trabalhar, é uma fórmula de salvação pra todo mundo, um salvando o outro.

 

MO - Eu dei uma olhada na programação do festival BR135, que é o que tem de maior de produção cultural em São Luis, só em uma edição, do ano de 2019, o festival tinha 15 atrações locais, das 15, 13 são artistas que passaram pela Casaloca, é coisa para cacete envolvendo a Casaloca, o que tu achas disso? dessa presença marcante num festival que é um dos maiores do Brasil?


AS - Cara, é assim, mostrar trabalho, eu sempre fui atrás de ter muito trabalho, é árduo mostrar sua própria música, mas precisamos disso, trabalhando nela diariamente sacou? Então assim, a gente desde que começou esse mundo artístico nunca mais paramos, se eu não estou trabalhando meus projetos pessoais eu tô sempre dentro de algum outro, atualmente eu tô trabalhando com Guto que é um cara do rap que tá surgindo agora, primeiro ano dele, tô fazendo o Criola Beat que é um projeto coletivo, então é isso, a gente não para (nesse momento “um morador” da casa interrompe a entrevista pedindo permissão pra usar o banheiro particular de Adnon, ele diz que sim mas que seu filho Bem ta dormindo e pra ir com calma).


@leandro.foto





MO - Hoje em dia o que determina o que a casa grava ou não grava?


AS - Estamos construindo um label, pra estabelecer um artista não adianta só gravar, a gente vai gravar, mas tem que montar um pacote, tem que ter live, tem que ter um ensaio fotográfico, tem que ter um podcast com o artista falando, hoje em dia a gente tá bolando ideias pra poder fazer lançamentos e é isso, o artista é muito mais parceiro nosso do que cliente, saca? A gente faz uma parceria com o artista, facilitamos, um preço mais barato, não o preço do mercado mas hoje em dia quando alguém vem gravar comigo tem que passar por um crivo, tem que vê se isso que o cara tá trazendo se identifica conosco, isso rola claro, e também a questão do momento oportuno, o que tá rolando hoje, a gente tá em 2019, 2020 então é questão disso também, aquilo que é conveniente e tem a ver com aquilo que a gente tá fazendo e com a época, a gente tá hoje mais fazendo parceiros e tentando trabalhar de uma forma mais ampla, pelo menos criar um pacote além das músicas porque não adianta só a música, como eu falei, é gente trabalhando nos vários setores que envolve uma produção de qualidade, com áudio visual, clipes, e não adianta só o clipe, tem que ter o artista tocando na vera, tem que fazer um live, um podcast que é para o cara falar e se mostrar por completo.

 

MO - Não sei agora, mas algumas pessoas que eu conheço moravam de fato aqui, como tá nesse momento?


AS - Sempre tem alguém morando, quem tá morando agora é o Marcelo e o Breno, o Breno é do Vórtice, vocal, e o Marcelo já teve altos projetos só que a agora tá fazendo o Criola Beat é até bom eles aqui, porque a galera tá em casa e a gente produz pra caralho, já temos dois álbuns prontos, a gente tá só planejando como é que lança.


Breno Santos, Marceleza e Biodz - Criola Beat - Arquivos Estúdio Casaloca



MO 
- De vez em quando rolava uns eventos na própria Casaloca, qual é a intenção principal dessas festas? Ainda rola?


AS - Cara eles surgiram bem na espontaneidade, a galera querendo interagir mesmo, ensaio aberto, só que certo tempo resolveram divulgar, a gente conseguiu fazer alguns eventos e teve uma superlotação, transtorno aqui com os vizinhos (rssss), com a igreja, som alto, aquelas coisas e por isso a gente resolveu fazer fora, até a casa ter uma estrutura, tanto acústica quanto física pra poder suportar um evento, e é essa a ideia da casa atualmente, até curto prazo isso não vai demorar muito de acontecer que é a gente ter aqui um espaço pra exposição, pra pocket shows, pra audição, sacou?! pra interação da galera.


MO - Só pra finalizar, tu até já falou um pouco disso, mas eu queria focar só mais um pouco nesse assunto, tu disse que já recebeu outras coisas que não são necessariamente dinheiro pra realizar produções, o que tu poderia citar de itens, tipo força de trabalho, microfone, enfim?

Eu particularmente estava fazendo um trampo aqui contigo e a casa tava precisando de madeira e aí eu consegui essa madeira, o que mais tu poderias citar?


AS – Tudo que tu possa imaginar (rsss), desde madeira como tu citou até microfone, computador, as vezes o cara vem aqui fazer uma mesa pra mim e também vem muita gente só pra ajudar, sem receber nada em troca.

De tudo, já troquei um jingle por um Macbook por exemplo, já fiz esse tipo de negócio um jingle político por um computador, valeu tudo, principalmente a troca de afeto e os manos e minas que construíram isso aqui junto comigo. É assim, uma família, a Casaloca.


Ouça Estudio Casaloca AQUI

Ouça Adnon Soares AQUI

Ouça  Criola Beat AQUI


 









Por Beto Ehong

Artista, produtor e radialista

Essa entrevista serviu como fundamento acadêmico para o trabalho de conclusão de curso de Rádio e TV para o departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão defendido em setembro de 2021.

Entrevista transcrevido de arquivo áudio.


Contribuição ortográfica Flávia Jonara
















Comentários

  1. Eu fiz uma canção para esse craque, Adnon é o nome dela, tá disponível nas plataformas digitais, curte lá, bjs

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